"O universo não foi feito à medida do ser humano, mas tampouco lhe é adverso: é-lhe indiferente." (Carl Sagan)

sexta-feira, 6 de março de 2009

Abra a boca e diga: "Waaaaaahhhhh!!!!!"

O nascimento acidental do pedal Wah-wah e como ele se tornou a marca registrada do rock psicodélico

Pra qualquer clássico, o nascimento do pedal wah-wah foi um acidente irônico. Além do mais, de que outra forma você explica um experimento de engenharia que estava tentando duplicar o som de um trompete de jazz abafado (com surdina), mas que terminou criando um dispositivo que produziu o som característico do rock psicodélico? Outras descobertas podem merecer a mesma distinção, mas a invenção acidental do wah-wah foi mesmo impressionante.

Essencialmente o pedal wah-wah é um filtro que altera a tonalidade do sinal da guitarra e imita a voz de um trompete com surdina – até que você aumente o volume de seu amp. Daí em diante este se torna a chave pra uma série de outros tesouros, como o rosnado agudo que músicos de Albert Collins à Jimmy Page têm usado pra criar, a coloração e manipulação do feedback como em “Voodoo Chile (slight return)” de Jimi Hendrix, ou – com as aberturas certas de acordes – o tempero especial do funk de raiz.

Para os desentendidos do Wah, e deve haver alguns de vocês por aí, você aciona o filtro do dispositivo ao longo do alcance tonal da sua guitarra mexendo com seu pé pra cima e pra baixo. Quanto mais abaixo (pra frente), mais o agudo do wah-wah se sobressai; quanto mais acima (pra trás), mais grave você tem.

Os registros indicam que a criação do wah-wah ocorreu nos workshops da Thomas Organ Company em novembro de 1966, quando alguém acidentalmente mexeu num potenciômetro – que é um resistor que controla voltagem, criando alterações sônicas – numa caixa de pedal de órgão da Vox Continental. A Warwick Electronics, companhia parente da Vox e da Thomas naquela época, estava experimentando com o design do Vox Super Beatle, o primeiro amp a colocar falantes numa caixa extremamente compacta.

O objetivo era substituir as válvulas do Super Beatle por um circuito ‘solid-state’, e parte desta missão era um esforço pra substituir o circuito legal de boost dos médios do Super Beatle por um transistorizado barato. A Vox estava esperando que o novo amp conquistasse lugar no coração dos músicos de sopro (metais e palhetas).

Como experiência, os engenheiros da companhia apertaram um circuito de tonalidade transistorizado de um órgão da Thomas numa pequena placa por conveniência, então decidiram que o meio mais fácil de manipular suas qualidades de alterar o som seria inserindo-o num pedal de volume.

Um engenheiro pegou seu sax e começou a soprar através deste dispositivo num Super Beatle modificado e um microfone. Sem grandes surpresas. Um fracasso, na verdade, já que ele não dava o boost nas freqüências médias como tinham planejado. Então um guitarrista que também trabalhava no local plugou no conjunto. Grande surpresa!

Aparentemente, Joe Banaron da Warwick Electronics era obstinado. Ele insistiu em divulgar o pedal a músicos do sopro inicialmente, contrariando o óbvio. De fato, quando a Vox introduziu o pedal wah-wah em 1967, ele foi lançado com o nome de Clyde McCoy, um trompetista famoso pelo seu som com surdina em seu sucesso “Sugar Blues” de 1951.

Sendo assim, o mais raro desses pedais hoje é o Clyde McCoy wah-wah, com um desenho à mão de McCoy na tampa de baixo. Em boas condições, eles atinge preços exorbitantes no eBay. A próxima variação tinha apenas a assinatura de McCoy, que foi substituída na próxima leva produzida pelo nome “Cry Baby” – marca rapidamente adotada por outros fabricantes também, já que a Vox não registrou o nome.

Guitarristas o popularizaram rapidamente, e o wah teve seu maior impacto imediato no explosivo mundo do rock and roll psicodélico, prontamente achando seu caminho sob os pés de Jimi Hendrix, Eric Clapton na era Cream, Jeff Beck, e Jimmy Page na era Yardbirds, e nas gravações épicas de “White Room”, “I Ain’t Superstitious”, e “Dazed and Confused”.

Agora, guitarristas amam seus wah-wahs. Junto à distorção é a ferramenta mais popular no arsenal de qualquer rei do timbre. Mas aqui vai uma dura verdade: o wah-wah sempre continuou seu flerte com músicos de sopro e outros equipamentos musicais pelas nossas costas!

Durante o auge criativo da fusão jazz-rock pioneira de Miles Davis nos anos 70, ele tocou seu trompete com wah-wah num ‘stack’ de Marshalls. É um som tão rico quanto o de Hendrix em Woodstock!

“Bitches Brew” é o mais famoso álbum desta era, e John McLaughlin, que o usou nas sessões clássicas que definiram o fusion, ficando seduzido pelo pedal. Mas você pode ouvir Miles mais tarde trocando frases maliciosas de wah-wah com o maníaco estrangulador de cordas de Chicago Pete Cosey (que também tocou guitarra no psicodélico “Electric Mud” de Muddy Waters) no estonteante “Agharta”. O baixista Michael Henderson também usou um wah-wah com Miles em “On the Corner” de 1972, e depois em sua carreira Miles voltou a usá-lo, ainda que de maneira mais suave.

Existiram outros intrometidos. David Sanborn usou um wah-wah em seu solo de saxofone em “Youg Americans” de David Bowie, e alguns sons ríspidos de sax com wah em algumas gravações de Frank Zappa também. O virtuoso do violino fusion Jean Luc-Ponty carrega um wah-wah em sua mala de efeitos.

Também o faz Boyd Tinsley da Dave Matthews Band. Alguns DJs progressivos já plugaram wah-wahs em seus consoles. E a banda de Garth Hudson começou a praticar o uso de um wah-wah com Clavinet, empregando esta combinação pra simular uma “Harpa de Judeu” nas partes de “Up on Cripple Creek”.

Tudo isso nos prova que há mais de uma maneira de se dizer “Waaahhh”.


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